4 de novembro de 2008

Saudade

Existe uma diferença
Entre sentir falta e saudade:

A falta
É ressaca do acostumar-se
À rotina conveniente.

Saudade
É um fechar de olhos
Involutário ao inspirar.

9 de outubro de 2008

Poema de Enlevo

O sono me laçou
Com seu enlevo ingênuo,
Qual borboleta
Voando ao meu redor.
Recordo que a paz
Foi um abraço inesperado
E carinhoso
Que me aqueceu.
O sonho quase era feitiço
De sereia cantando
- E me chamava, chamava...
Eu não ia...

Não queria o sonho:
Desejava a fronteira
Que divide a mente
Em lucidez escassa
E fantasia absurda.

Assim senti tremores
E arrepios
E abonanças.
Senti você aqui,
Como um enleio,
E, enfim, cansada,
Adormeci.

15 de setembro de 2008

Cecília

Se queres me conhecer,
Lê bem Cecília.

Não é pelo traço
Nem do rosto,
Nem dos versos:
É pelo espelho
Em que perco a face,
São pelas mãos
Que naufragam sonhos,
São pelas lágrimas
Secas feito pedras
E pela precariedade
Da felicidade veloz.

Se queres me conhecer,
Não me perguntes
Que eu nem sei,
Que eu me perco.

Há quem já tenha dito:
Lê bem Cecília.

28 de agosto de 2008

Pequena

Pequena, teu calmante já está fazendo efeito. Que sentes nessa hora? Sono profundo ou prazer injustificado? Culpa ou paz?

Pequena, a lâmpada ao lado de tua cama ainda está acesa. Desejas ler ou beber mais água? É medo do escuro ou de tropeçar nos sonhos?

Minha Pequena, eu te velo o sono, não me esqueço, mas desejo que me contes: o que sonhas, Pequena?

15 de julho de 2008

Poema de Enlace

Teu olho no meu
Exige o cuidado
De se desfazer um laço
Bem devagar.
É ventura de perdição:
Quarto escuro
Dos objetos místicos.
Acarinha e devora,
No tato zeloso
Ou estabanado.

Teu mistério me confunde.

Mas eu adoro,
Pois é droga que alucina,
Me consome numa briga
Que já não sei se sou
Desejo ou amor.

27 de maio de 2008

Da Teoria Científica

Envolve a Ciência
Um Mistério maior
Que justifica a forma,
A exatidão de tudo:
Não traça um cisco
Um caminho absurdo,
Nem se desdobra um raio,
No caos de seu risco,
Sem o motivo exato.

Desenrolam as pétalas
A graça trazida
Com um sopro de vento:
Um dia fora semente
E vôou pelo tempo
- Lenta e misteriosamente -
Lançou ao ateu
A questão da vida;
Ao Cristão,
A Maravilha;
Ao coração puro,
Deslumbramento.

26 de maio de 2008

A Lágrima

Escorre lenta,
Lamentada.
Gota a gota,
Cai
Sem
Graça.
Em cadência de flor
Levada pelo vendaval,
Percorre a porcelana
Do seu rosto de boneca.

É água
Sem pressa
De um rio
Tortuoso
- Que tortura,
Com a frieza do
Destino,
Qual um cravo no
Coração.

23 de maio de 2008

La Felicidad

Cabe en mi corazón
La paz de un mar
Acariciado por lo viento terral:
Zalema de amor.

En mis recuerdos
Cabe la paz de lo brillo
De la luna, cuando llena:
Embrujo instantáneo.

La paz de una sonrisa,
Un encanto sencillo.

Secreto no hay:
Es felicidad.

(Tradução do Português para o Espanhol de Alexandre Spinelli)

14 de maio de 2008

Cotidiano

Café,
Trabalho,
Nenhum cigarro.
Não espero
Felicidade,
Nem tristeza.
Que a indiferença
Não corroa,
Não doa,
Nem me dissolva.

30 de abril de 2008

Outoño

(Tradução de Alexandre Spinelli)

Deshoja...
Deshace en el paisaje
Y da la gracia tuya
Sencilla, tierna
Como quien se despide
Con un soplo manso,
De levedad etérea,
De la canción más linda
Que pudiera oír.

Deshoja…
Revela la tuya cara torta
Y ni por eso fea,
Y los tuyos brazos longos,
Hecho quién quiera abrazo,
De quién se fue
Cabalgando al lejos
Y que no vuelve
Antes de la primavera.

Deshoja…
Entrega al viento suave
Lo que te esconde
Muestra tu alma,
Encantada de niña.
Y despide, pues,
De lo que la naturaleza lleva,
Que ya viene lo tiempo
Que te renueva.

22 de abril de 2008

La Felicidad

Cabe no meu coração
A paz de um mar
Acarinhado pelo vento terral:
Cafuné de amor.

Na minha lembrança,
Cabe a paz do brilho
Da lua, quando cheia:
Feitiço instantâneo.

A paz de um sorriso,
Um encanto singelo.

Segredo não há:
É felicidade.

15 de abril de 2008

Veneno

Como insalubre veneno te tenho;
Um licor que dessedenta-me, amargo,
Com perfume de flores, cor de orvalho,
Impetuoso, bélico, árduo.

Domina-me, Tétano, Vício;
Faz-me perder a voz, a visão, a consciência.
Endoudece-me, animaliza-me;
Extenua-me, excita-me, vence-me.

(09/04/2000)

12 de abril de 2008

Palavra Merlot

É inebriante o perfume de um livro.

Antes de ser lido, um livro pede para ser aspirado, como um talentoso amante do vinho faz com seu líquido predileto antes de sorvê-lo. O tempo curte as páginas, dando-lhes cor, textura e alguns fungos... - Vinho e queijo! - As páginas são acariciadas com cuidado, como ao se tocar em uma taça de cristal muito delicada. Um olhar furtivo acaba por se render ao brinde: a capa é virada e a primeira dose de palavras é sorvida. A fineza de um Merlot se faz traduzida em versos românticos e perfeitamente equilibrados, punhados pelo autor. O livro seduz. Quem se deixa envolver é tomado pela voracidade e se embriaga aos poucos. Eu me embriago. Absorvo as palavras com prazer.

O vinho percorre toda a boca e mergulha no corpo, como fazem os versos à alma.

Mais uma taça.

A página se vira, mas não tranqüilamente. Já não se sente mais o cheiro do livro: o perfume de um leitor antigo se insinua.

O último verso nem é lido. Fecho o livro. Acabou-se o vinho.

2 de abril de 2008

Outono

Desfolha...
Desmancha na paisagem
E dá a tua graça
Singela, terna,
Como quem se despede,
Com um sopro manso
De leveza etérea,
Da canção mais linda
Que pudesse ouvir.

Desfolha...
Revela a tua face torta
E nem por isso feia,
E os teus braços longos,
Feito quem quer abraço
De quem se foi
Cavalgando ao longe
E que não volta
Antes da primavera.

Desfolha...
Entrega ao vento suave
O que te esconde,
Mostra tua alma
Encantada de menina,
E despede, pois,
Do que a natureza leva,
Que já vem o tempo
Que te renova.

31 de março de 2008

A Crisálida e o Aureliano

Abro este espaço movida pela "quase necessidade" de expulsar um turbilhão de palavras sem asas. Sim, porque elas me incomodam quando querem sair. Mas não de qualquer forma. Primeiro, nem dou conta de sua presença. De repente, uma cosquinha no cérebro: é a palavra em forma de lagarta, mastigando tudo o que há em volta e crescendo, engordando, me consumindo. Aí não tem mais volta. A solução é pegá-la com jeito e embrulhá-la. Mas tem que ser um embrulho caprichado, vedado, e é bom que se reserve cuidado a ele: a fase crítica está por vir. Fico pensando... Uma palavra que incomoda e quer sair, é praticamente um aneurisma! Deus me livre de lidar com uma palavra tão difícil assim! Não conseguir empacotar com sucesso a tal palavra inquieta, pode provocar um grande estrago: a morte do poema (ou a loucura do poeta).

Acontece que, depois de um tempo, o pacote pode se romper, devagar. Bom, é uma lei natural: lagartas tornam-se crisálidas e crisálidas, borboletas (ou bruxas). Mas se o casulo não for rompido na hora exata, morre a crisálida - morre a palavra. A partir daí o poeta adoece: neoplasia cerebral. O pacote inútil que embrulha uma coisa apodrecendo, vai, ainda assim, querer um dia se romper. É a metástase. É o sofrimento maior de um poeta: a morte de todas as outras palavras que estão nos outros pacotes. A criação se finda.

Por alguns anos não cuidei dos pacotes - e me arrependo. Quantas palavras perdidas e quantas poesias esquecidas? Por sete anos tentei trocar as palavras por números, que são aparentemente muito mais práticos. Hoje cheguei à conclusão de que eu não me lembro, mas os números devem ter sido um espelho quebrado na minha vida. Prometi a mim mesma que a partir de agora tomarei mais cuidado ao lidar com espelhos. Até porque eles são criaturas do mal (já parou pra pensar?). Os espelhos devolvem o que deveria voar livremente - um passarinho se choca no pára-brisas.

- Uma pausa para uma observação necessária: a palavra quer sair. -

Por sorte, ou milagre, ou falta do que fazer, não precisei ocupar-me de tratamentos para que as palavras voltassem a viver. Elas simplesmente voltaram do mundo dos mortos. Isso me faz realmente acreditar que a maldição dos sete anos foi a verdadeira culpada por meu descaso para com as crisálidas .

Agora, desponta numa fenda pequena um pedaço de asa. O aureliano observa quieto. As cores do poema vão surgindo.

A palavra se liberta.