31 de março de 2008

A Crisálida e o Aureliano

Abro este espaço movida pela "quase necessidade" de expulsar um turbilhão de palavras sem asas. Sim, porque elas me incomodam quando querem sair. Mas não de qualquer forma. Primeiro, nem dou conta de sua presença. De repente, uma cosquinha no cérebro: é a palavra em forma de lagarta, mastigando tudo o que há em volta e crescendo, engordando, me consumindo. Aí não tem mais volta. A solução é pegá-la com jeito e embrulhá-la. Mas tem que ser um embrulho caprichado, vedado, e é bom que se reserve cuidado a ele: a fase crítica está por vir. Fico pensando... Uma palavra que incomoda e quer sair, é praticamente um aneurisma! Deus me livre de lidar com uma palavra tão difícil assim! Não conseguir empacotar com sucesso a tal palavra inquieta, pode provocar um grande estrago: a morte do poema (ou a loucura do poeta).

Acontece que, depois de um tempo, o pacote pode se romper, devagar. Bom, é uma lei natural: lagartas tornam-se crisálidas e crisálidas, borboletas (ou bruxas). Mas se o casulo não for rompido na hora exata, morre a crisálida - morre a palavra. A partir daí o poeta adoece: neoplasia cerebral. O pacote inútil que embrulha uma coisa apodrecendo, vai, ainda assim, querer um dia se romper. É a metástase. É o sofrimento maior de um poeta: a morte de todas as outras palavras que estão nos outros pacotes. A criação se finda.

Por alguns anos não cuidei dos pacotes - e me arrependo. Quantas palavras perdidas e quantas poesias esquecidas? Por sete anos tentei trocar as palavras por números, que são aparentemente muito mais práticos. Hoje cheguei à conclusão de que eu não me lembro, mas os números devem ter sido um espelho quebrado na minha vida. Prometi a mim mesma que a partir de agora tomarei mais cuidado ao lidar com espelhos. Até porque eles são criaturas do mal (já parou pra pensar?). Os espelhos devolvem o que deveria voar livremente - um passarinho se choca no pára-brisas.

- Uma pausa para uma observação necessária: a palavra quer sair. -

Por sorte, ou milagre, ou falta do que fazer, não precisei ocupar-me de tratamentos para que as palavras voltassem a viver. Elas simplesmente voltaram do mundo dos mortos. Isso me faz realmente acreditar que a maldição dos sete anos foi a verdadeira culpada por meu descaso para com as crisálidas .

Agora, desponta numa fenda pequena um pedaço de asa. O aureliano observa quieto. As cores do poema vão surgindo.

A palavra se liberta.